quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Monólogo: De um, para outro homem morto

-Não me olhe nos olhos com tamanha pena, moribundo dos infernos, quando me julgas se condena ao limbo tanto quanto me jogas ao tártaro.

-Cale-se, homem ignorante, porque protestas e vocifera contra os quase-mortos a beira da inevitável morte?

-Além de protestos nada me resta, além de meias palavras de destino certo, além do pó que se guardará sobre a fria sepultura.

-Temes o concreto e foges do incerto, reclama e pragmatiza com tentativas complexas, quem és tu que ages de forma tão pueril e incoerente esperando um cru resultado seguro?

-Nada sou além de nada e nada espero do que não provém do nada. Consegue entender e confiar na lógica de um semi-morto?

-Tão fácil quanto me vejo assentado no fim do mundo, à beira do abismo, em tamanho estado pútrido e imundo.

-Então não me julgas de fato? Cadaver é, convicto, em termos límpidos e claros?

-Certo como o frescor dos miasmas que nos levam abaixo, certo como resta noite após o dia, indiscutivelmente, meu caro, de fato.

E naquele fim de tarde somente uma tumba foi cavada, uma lápide foi cravada, mesmo que de pertencente aos vivos, não sobrara nada.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Sentenciado e putrefeito

Me convidaram a sentar defronte a ti.
Mesmo depois de anos,
Mesmo depois de morto, cremado.
Foi inevitável.

Mas desejados foram seus ossos fora da terra,
E desejadas foram suas raízes arrancadas,
Suas pegadas erradicadas, e,
Sem a injúria conter,
Envenenado foi solo com a tinta das veias,
Que significava e corria por seu miserável ser.

Me foi ordenada a busca de suas cinzas, e
N’outro ensejo me foi dito onde achá-las.
E sem motivo ou justificativa coerente,
Arraigado ao delírio, é possível perceber
Que apregoado o extermínio, ditas as falas
O simbolismo trouxe tudo ao fim.
Manipulando e distorcendo,
Sentencia e executa por menos, e assim,
Faz de mim arauto do incerto,
Que de certo nada tem,
Se não a única e inequívoca tarefa,
De erguer as pressas, palavras extintas,
Fitando o constrito, exíguo e irrelevante,
Com aromas, manifestações finitas,
De memórias, de dias d’antes,
De dantescas, se irrelevantes,
Pitadas de caos, insensatamente marcantes.

E, se mesmo agora hesito a tirá-lo do exílio,
Abrir a tumba, rasgando suas as ataduras,
Espalhando-o por todo o recinto,
Liberando o ar pútrido, asmático e corrupto,
É por saber que a carne apodrece e corrói,
Que o que existe se desfaz e perece,
Incondicionalmente.
Mas todo e nenhum complexo morre,
Se vê livre de vestígio ou confessa-se após a morte,
Seguido de um levante do júri,
De e composto de mortos para que me digam
Quem é o culpado, o cúmplice e a testemunha,
Se a sentença é enferma e perdida a própria sorte?